Café com Direitos Humanos – Como os direitos nos Tocam?

evento1 - Cafe dos DireitosHumanos março

Nos últimos anos, muita desinformação tem aparecido e sido espalhada sobre o papel dos Direitos Humanos no Brasil. O objetivo disso é bem claro: fazer com que menos pessoas entendam a importante atuação na defesa e promoção de direitos individuais e coletivos como uma conquista, e que está garantida pela nossa Constituição.

Infelizmente, o que para alguns é certo (quem tem dinheiro e é branco), para outros é privilégio. Isso começa pelo direito à dignidade humana, de ser tratado com respeito e ter uma vida tranquila, e se espalha no que deveria ser óbvio: que ninguém pode ser torturado, que todos devem ter o devido processo legal antes de ser condenado, que devem ter acesso à educação e saúde de qualidade. É uma luta que se faz por várias pessoas que vivem todos os dias o impacto das desigualdades em nosso país.

O Centro de Juventude – CAJUEIRO – e o Instituto Brasil Central – IBRACE – junto a várias organizações sociais goianas – como  o Terreiro Flor do Abacateiro, Movimento de Meninos e Meninas de Rua, Igreja Batista do Novo Mundo,  Rede Um Grito pela Vida, Coletivo de Mulheres da Região Noroeste e entidades federais como o Núcleo de Direitos Humanos da UFG,  IFG – Instituto Federal de Goiás – Campus Oeste/Goiânia e a diretoria de extensão da UEG, o Observatório Juventudes na Contemporaneidade, o Núcleo da UFG – NECRIVI,   a UNIFIMES – Campus Trindade, e ainda, Nação HIP HOP Brasil, CPT – Comissão Pastoral da Terra,   – promoveram, no dia 29 de março, mais uma edição do histórico projeto “Café com Direitos Humanos”, que desde 2007 se compromete em propor discussões e reflexões, de forma leve e propositiva, sobre os temas relacionados aos direitos humanos. Com o protagonismo de quem vive essa luta pelos direitos de todos os brasileiros e brasileiras, as conversas sempre mobilizam redes de atuação, criam possibilidades e respostas e um espaço de acolhimento, de escuta aprendente.

O tema dessa retomada, agora presencial, foi “Como os direitos humanos tocam minha vida?”. A provocação começa com os reencontros entre as mais de 61 pessoas participantes, representantes de diferentes lugares e formas de atuação em defesa dos direitos humanos, além de estudantes de graduação e pós-graduação que juntam seu interesse ao engajamento. O café e “dividir o pão” (ou os quitutes) em si permitem aproximações importantíssimas para a continuidade de cada esforço e, nessa edição, foi proporcionado pela UNIFIMES (Centro Universitário de Mineiros – Campus Trindade-GO). Começando com a arte para nos mexermos, a performance de Danilo Dvolt juntou com criatividade o repente nordestino e a potência do hip hop e já deu o tom daquilo que a coordenação da ação  relembrou, sobre a necessidade de sermos chacoalhados para poder agir.

 

A narrativa da líder comunitária e pedagoga Eldenice Mota Pinheiro nos provoca com a seguinte questão: os direitos humanos tocam ou não tocam nossa vida?! Contou um pouco dos desafios de sua atuação junto a comunidades que não têm nenhum apoio do poder público, e que dependem de sua própria força como coletivo. Emocionou a todos contando sobre a Escola Semente de Transformação, que voluntariamente alfabetiza adultos e crianças no Setor Sol Nascente, área muito vulnerável de Aparecida de Goiânia. Contou com emoção sobre o efeito de ver as pessoas descobrirem o mundo das letras, de conseguirem se entender cidadãs e incluídas, de muitas formas. Faz esse trabalho há quase 10 anos contando com a própria comunidade e mantém as aulas no quintal de sua própria casa. Explicou sobre a necessidade de uma linha de ônibus para conexão no setor, já que as pessoas precisam se deslocar por quase 40 minutos – com sol, chuva e riscos de segurança – no bairro vizinho. Clamou por apoio e por um olhar mais sensíveis dos tomadores de decisão, para continuar e ampliar o ótimo trabalho que faz, também com o grupo Arte Vida Bem Viver.

Seguiu-se, à sua fala, a impactante história de vida da ativista Eronilde Nascimento, sobrevivente do Massacre do Parque Oeste Industrial, uma desocupação violenta do que fora a maior ocupação urbana da América Latina em 2004. Eronilde viveu a experiência do assassinato de seu companheiro pela atuação desastrosa e intencional da Polícia Militar, reconhecida judicialmente. Mesmo com a memória de algo tão traumático, segue como protagonista da luta contra a violência perpetrada especialmente contra jovens pretos. No Residencial Real Conquista, onde as centenas de famílias foram realocadas de forma precária, ela conta que só em uma das ruas, ela denuncia a morte de jovens negros diariamente, tem semana que já velou 15 jovens vítimas da violência urbana. O luto permanece e não deixa de virar luta! Relembra emocionada que Pedro, seu esposo, tinha muito medo dessa necropolítica e não foi poupado dela. Disse então, com muita força, que se está em risco em qualquer circunstância, só por existir, melhor que seja com coragem. Pediu que todos colaborem para que cada vez mais o Estado chegue de outra forma nas periferias, não como força repressora, mas como agente de mudanças. E que não podemos mais ficar silenciados diante da impunidade de quem se utiliza do lugar de proteção para disseminar o medo. Ela mantém o Instituto Memória e Resistência Pedro Nascimento Silva com atividades de formação  e uma biblioteca.

 

Sem responder diretamente o que os direitos humanos têm a ver com cada um, todas as pessoas sentiram que, se é algo que deveria ser natural e não é, há muito a ser feito. A integração fraterna entre os representantes dos diferentes credos e expressões religiosas, movimentos e organizações sociais e dos jovens cheios de esperança com suas atuações e descobertas, falou muito sobre a importância de estarmos unidos. Os direitos humanos que precisamos são aqueles que nos aproximam, que se pautam na justiça e na dignidade.

É exatamente com esse espírito que as conversas seguirão durante o ano, com convidados e convidadas que estão imersos em cada eixo do Plano Nacional de Direitos Humanos. A ideia é fazer com que as reflexões sigam, mas pautadas na prática, na mobilização para atuar nas emergências, prevenir tragédias e promover uma cultura de paz.

Escrito por Elson Santos Silva (NDH-UFG)

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